Desconheço de quem é
esta imagem, ainda que pola técnica, a data e o tipo de personagem retratada,
bem poderia ser de Ruth Matilda Anderson. Poderia, mas nom o sei; e gente
haverá que o saiba. O que sim sei é que se trata de umha imagem poderosa,
prenhe de conotaçons.
Quiçá seja polo
brilho crepuscular da folha-de-lata, quiçá pola sombra que se afasta apegada à
parede, como umha fantasma expressionista e desconcertante. Ou talvez nos
fascine de jeito especial esse equilíbrio impossível do jerro sobre a cabeça,
que é talmente umha metáfora do precário equilíbrio do mundo, ou dos mundos.
Mas,
sobretodo, eu deteto nesta imagem (como em tantas outras coetáneas e similares)
a evocaçom de umha civilizaçom híbrida, estranha. Anega-me os olhos a aldeia
estridente e milenária a penetrar como um rio de leite as ruas ainda enlousadas
da Corunha, o mais parecido que existia a umha metrópole na Galiza daquela
altura. Entre os caminhos de ferro e os vapores dos cafés, habitados por umha
burguesia vácua e em construçom, emergiam personagens como esta leiteira, a
encarnarem já um espaço limítrofe, umha cultura limítrofe. O leite que vinha
tremelando dentro desses jerros de fábrica era antigo como o sol ou o mundo;
rural e sagrado. Como as cebolas e os tomates que crescem nas hortas de Monte
Alto, como o vinho obscuro que sorri desde as taças brancas nalgumha baiuca dos
Malhos.
Por
isso, incorporados à visom desta velha riseira, chegam até nós os ecos do poema
de Francisco Anhom, que elevam a leiteira quase à categoria de ser mítico:
Cando eu
entro pol-a Vila
todos inda están n'a cama
en doce calma tranquila,
¿quén do sono
os espavila?
Eu que vou
chama que chama
hastra qu'algún s'endireite
¿Quén merca o
leite?
Sospeito que a velha
leiteira da imagem nom é outra que A Velha de Sempre...
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