sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Leiteira na Corunha (1924)



Desconheço de quem é esta imagem, ainda que pola técnica, a data e o tipo de personagem retratada, bem poderia ser de Ruth Matilda Anderson. Poderia, mas nom o sei; e gente haverá que o saiba. O que sim sei é que se trata de umha imagem poderosa, prenhe de conotaçons. 

Quiçá seja polo brilho crepuscular da folha-de-lata, quiçá pola sombra que se afasta apegada à parede, como umha fantasma expressionista e desconcertante. Ou talvez nos fascine de jeito especial esse equilíbrio impossível do jerro sobre a cabeça, que é talmente umha metáfora do precário equilíbrio do mundo, ou dos mundos.

Mas, sobretodo, eu deteto nesta imagem (como em tantas outras coetáneas e similares) a evocaçom de umha civilizaçom híbrida, estranha. Anega-me os olhos a aldeia estridente e milenária a penetrar como um rio de leite as ruas ainda enlousadas da Corunha, o mais parecido que existia a umha metrópole na Galiza daquela altura. Entre os caminhos de ferro e os vapores dos cafés, habitados por umha burguesia vácua e em construçom, emergiam personagens como esta leiteira, a encarnarem já um espaço limítrofe, umha cultura limítrofe. O leite que vinha tremelando dentro desses jerros de fábrica era antigo como o sol ou o mundo; rural e sagrado. Como as cebolas e os tomates que crescem nas hortas de Monte Alto, como o vinho obscuro que sorri desde as taças brancas nalgumha baiuca dos Malhos.  
Por isso, incorporados à visom desta velha riseira, chegam até nós os ecos do poema de Francisco Anhom, que elevam a leiteira quase à categoria de ser mítico:

Cando eu entro pol-a Vila
todos inda están n'a cama
en doce calma tranquila,
¿quén do sono os espavila?
Eu que vou chama que chama
hastra qu'algún s'endireite
                               ¿Quén merca o leite?



Sospeito que a velha leiteira da imagem nom é outra que A Velha de Sempre...


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