sábado, 22 de outubro de 2011

E a gente começou a levitar em Euskal Iria

Diziam-me hoje alguns amigos que foi chegar eu a Bilbo e anunciar a ETA o fim das suas cinco décadas de luita armada. Gosto de vê-lo assim, e provavelmente dentro de uns anos contarei-no de um jeito bastante parecido. 
Foi um anúncio histórico, e os jornais bascos assim o reflectirom, dedicando-lhe dúzias de páginas em que lembram dado a dado e cifra por cifra a história da ETA, das origens à decadência e ao inevitável ponto e final. Percebo cepticismo na gente, som muitas as pessoas da rua que nom acabam de fiar-se de um comunicado pronunciado por rostos que se resistem a tirar os capuzes e imitar a cara descoberta de Séanna Breathnach. É compreensível. Mas a cenografia desenvolvida nas últimas semanas (Conferência de Donostia incluída) é inflexível e irreversível, e foi pensada desde o início para desembocar onde desembocou: num 20 de Outubro inusualmente solheiro e feliz nas ruas e aldeias de Euskal Herria. Também na Irlanda do Norte houvo muita posta em cena, muita pauta teatral. Questom de simbolismos, de gestos, de visibilidade.
Fala-se muito aqui de que o processo que fica por diante vai ser longo e difícil, que há temas (como o dos mais de 700 presos) que ainda vam provocar mais de um incêndio mediático e político, que o conflito basco (com ou sem luita armada) ainda segue aberto riba da mesa (e logicamente seguirá a está-lo enquanto existir soberanismo basco), que especialmente dura vai ser a batalha por construir o relato hegemónico e referencial do que aqui se passou nestes últimos 50 anos. Também de que a esquerda abertzale, refundida agora em Amaiur, vai capitalizar um processo que, sem os seus contributos e esforços dos últimos três anos, seria nom sei se impensável, mas desde logo muito mais difícil de ativar. Vai-se falar (já se está a fazer) de vítimas, de vítimas e de verdugos, e, sem querermos equiparar violências nem sofrimentos, é necessário lembrar que aqui houvo mais de 800 assassinados pola ETA, entre os quais há gente de muitas condiçons cuja memória só pode ser equiparável desde a mais completa obscenidade (Melitón Manzanas, torturador incansável, fica para a democracia espanhola ao mesmo nível que os mortos de Hipercor? Parece ser que sim), mas também houvo outros centos de vítimas que merecem idêntico respeito e que nom podem ser excluídas sem mais do edifício da memória que começará a se construir desde já em Euskal Herria.
As últimas décadas fôrom complexas, labirínticas, impossíveis; o tempo que se abriu ontem promete nom sê-lo menos. Com a única diferença (esperemos) de que as paredes do labirinto deixarám de estar tingidas de sangue.


2 comentários:

  1. Cando señas vello diraslle aos teus netos con acento de Euskal Herría: "yo traje la paz a Euskadi, chaval", como dirían os de Vaya Semanita...
    Parece que non, pero nos últimos tempos creo que ata o humor da ETB axudou a normalizar unha situación que, antes ou despois, tiña de rematar así, non tanto pola presión á que estaba sometido, coma polo anacronismo que, a tal hora, xa representaba. Esperemos que seña para ben, tanto o vivido coma o grande treito que queda aínda por vivir neste proceso.

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  2. Pois sim, é algo que me chama muito a atençom dos bascos: a sua capacidade para rirem-se mesmo dos seus dramas mais sangrantes. Serám as propriedades terapéuticas dos zuritos e do txakoli? Pois igual! :)
    E riamos, que sem risa nunca saberemos estar em paz:
    http://obichero.blogspot.com/2011/10/fin-de-eta-ii.html
    Um abraço meu!

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