segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

40 anos depois do Domingo Sanguento

Passárom já quarenta anos. Como diz o poema de Seamus Heaney, de novo o Bogside sangrou.
Eu cria que aquele Domingo Sanguento, aquele 30 de Janeiro de 1972, ficara codificado já nas nossas mentes como um dia de vergonha, mas também como um dia para resgatar a dignidade de debaixo das cinsas e das cápsulas das balas. Até o Governo británico, responsável último daquele massacre, foi capaz de reconhecê-lo assim nom há muito tempo.
Por isso me rebenta os fígados ter de ler cousas como as que tivem de ler hoje nalguns foros. Cousas tais como equiparar o que se passou aquele 30 de Janeiro de 1972 como os assassínios cometidos polo IRA e as súas múltiplas ramificaçons ao longo das décadas e décadas de conflito na Irlanda do Norte.
Como se na Irlanda do Norte nom houvesse, para além do IRA, umha pequena miríade de grupos paramilitares lealistas igualmente brutais, igualmente arbitrários à hora de apertarem os gatilhos.
Como se o detonador primeiro daquela guerra que arrasou os seis condados irredentos nom fosse a vulneraçom sistemática (por meio da violência explícita, mesmo) dos direitos de umha parte da populaçom de Irlanda do Norte. Como se aquela guerra nom começase o dia em que umha manifestaçom da NICRA foi atacada por incontrolados protestantes, armados com pedras e com o seu irredutível complexo de comunidade ameaçada, tam similar ao que exibem certas pessoas e coletivos nestas terras que nos toca habitar (e até aqui podo ler...).
E o que mais me dói: como se a Civil Rights Association que derramou o seu sangue naquele domingo de ruas gélidas fosse algo assim como "um trasunto do IRA"; como se Ivan Cooper -lembremos, um protestante que advogou e sofreu polos direitos dos católicos- se dedicasse a pôr bombas entre discurso e discurso; como se o que tivesse feito o exército británico naquela jornada fosse repremer um ataque com armamento pesado, e nom umha manifestaçom que exigia demandas justas com meios pacíficos.
À altura de 1972, o IRA nom gozava de muitas simpatias nos bairros católicos do Norte de Irlanda. Só uns anos antes, nos alvores do conflito, os habitantes desses mesmos bairros recebiam com os braços abertos os soldados británicos que acudiam -teoricamente- para os defender dos violentos pogromos unionistas -foi o IRA quem começou a guerra?-. A causa dos acontecimentos do Domingo Sanguento, o IRA converteu-se no último refúgio de muitas pessoas que pudérom comprovar como o governo de Londres reaccionava com poucos escrúpulos e muitas balas ante qualquer movimento da comunidade nacionalista. Nom esqueçamos a cronologia, nom ignoremos a seqüência dos feitos. Nom perdamos a perspetiva. Ou acabaremos caindo em teorias tam socorridas e aberrantes como a do "entorno", que se nos fai bem familiar -e aqui em Euskal Herria, especialmente familiar-.
De jeito que, sentindo-o muito, para mim o Domingo Sanguento seguirá sendo, como diz Ivan Cooper no final do filme Bloody Sunday, um dia de verdade, um dia vergonha. O dia do Bogisde 0-Paracas 13 (de novo Seamus Heaney).

domingo, 29 de janeiro de 2012

Ensaiando um 'blues' para a independència

Todo poderia começar com umha daquelas tristíssimas e crepusculares cançons jacobitas. Bonnie Prince Charlie a regressar sobre as águas do mar... 
Pois parece que sim, que a Escócia caminha com passo firme cara à recuperaçom dessa independência que lhe arrebatárom há 300 anos sob o disfarce de umha eufemística "uniom". Passo firme, mas também tranquilo, repousado. Nos antípodes da crispaçom enfermiça com que todas estas temáticas som esmiuçadas na opiniom pública de monarquias "bananeiras" como a que nos toca sofrer. Já me tarda escuitar nos faladoiros e tertúlias do Império Cativo um novo e inevitável mantra: "Euskal Herria nom é Escócia. Euskal Herria nom é comparável à Escócia". Tam-pouco é equiparável à Irlanda do Norte, obviedade que se encarregárom de lembrar de jeito pontual ao longo das últimas décadas, ainda que os mais ingénuos sigamos a pensar que o ruído das bombas e dos disparos era bem similar em Beal Feirste e em Arrasate, em Doire Cholm Chille e em Galdakao...
Mas os escoceses, tal e como cantou o mestre Stivell, os escoceses are right, e fam seu um discurso pragmático e incontestável que nos lembra que o capitalismo tivo o seu berço naqueles nortes de ventos e contradiçons tam similares às nossas. As verdades do capitalismo postas ao serviço de umha lógica independentista. Creio que, se estivéssemos nos anos 20, a intelectualidade galeguista daqueles dias seguiria com reverência e atençom pontual todo quanto está a se produzir na Escócia, do mesmo jeito que se atendia aos acontecimentos que tinham lugar na adorada irmanzinha que atravesou o mar. Ainda que a Risco ou a Castelao ou a dom Ramom (que só houvo e haverá um) lhe repugnassem essas veleidades monetárias contaminando o que deveria ser puro e etéreo nacionalismo.  
E ainda assim, ninguém como os escoceses, donos de um respeito sagrado polos símbolos, para dotar estes momentos históricos da necessária dose de poesia e de emoçom: o referendo, de se celebrar, terá lugar com motivo do 700 aniversário da batalha de Bannockburn, essa em que umha manda de sonhadores derrotárom o embriom do que seria o imbatível Império Británico. 
Se fosse hoje, o nom menos sonhador Alex Salmond sentaria no meio do campo de batalha e, se calhar com umha chávena de chá e um prato de haggis polo meio, acabaria convencendo a Eduardo I das bondades da liberdade escocesa. 
E assim, o que poderia começar com umha tristíssima e crepuscular cançom jacobita poderia acabar perfeitamente com um blues pola independência.